Criticismo e Fenomenalismo contextualizados na tecnologia aplicada à educação

Rascunhando sobre alguns aspectos da tecnologia aplicada na educação para o guia de estudos da disciplina de Tecnologias na educação do curso de pós em docência no ensino superior do UNIS-MG, achei importante a abordagem do Criticismo e Fenomenalismo contextualizados na tecnologia aplicada à educação:

O criticismo (do alemão Kritizismusé) é uma visão estabelecida pelo filósofo alemão Immanuel Kant, a partir das críticas ao empirismo (objetivista) e ao racionalismo (subjetivista). Nessa concepção não se pode conhecer as coisas em si, mas somente aquilo que está no campo fenomenológico. Kant entende que o que faz a ligação entre a experiência, frente aos fenômenos, e nossas conclusões é a crítica.

Sob a visão do criticismo o sujeito entende que a pedra esquenta sob a luz do sol somente quando ele coloca a pedra exposta ao sol e mede sua temperatura. Então depois de fazer essas duas ações ele conclui que a pedra esquenta PORQUE é colocada sob a luz do sol. Contudo o conhecimento só acontece, nessa perspectiva, através da inclusão do "PORQUE" ligando a experiência ao fenômeno, ou seja, o porque aqui é o ponto que evidencia a crítica.

Assim podemos entender que o sujeito conhece o objeto através da relação entre o próprio sujeito e o objeto. Contudo, o conhecimento sob essa visão é entendido sob a interação mútua entre objeto e sujeito. Essa forma de entender o como conhecemos as coisas nos direciona para o que chamamos de interacionismo.

O interacionismo, representado por Jean Piaget (1896-1980) e o Lev Vygotsky (1896-1934) entende que o conhecimento está na relação entre o aprendente com o objeto em uma estrutura bipolar, cujos elementos são inseparáveis. Não há sujeito sem objeto e não há objeto que possa ser constituído sem a ação do sujeito. "O sujeito não está simplesmente situado no mundo, mas o meio entra como parte integrante do próprio sujeito, como matéria e contudo cognitivo e histórico". (MATUI, 1995)

Estamos falando tanto sobre objeto, mas afinal de contas o que é mesmo um objeto?

O filósofo da informação Pierre Lévy esclarece de forma bem interessante o que é um objeto. Ele entende que esse é algo ontropológico, ou seja:

[...] objeto-ligação ou mediador de inteligência coletiva. Esse objeto deve ser o mesmo para todos. Mas, ao mesmo tempo, é diferente para cada um, no sentido em que cada um se encontra, em relação a ele, numa posição diferente. O objeto marca ou traça as relações mantidas pelos indivíduos uns frente aos outros. Ele circula, física ou metaforicamente, entre os membros do grupo. Encontra-se, simultânea ou alternadamente, nas mãos de todos. Por esse motivo, cada um pode inscrever nele sua ação, sua contribuição, seu impulso ou seua ensergia. O objeto permite não apenas levar o todo até o indivíduo mas também implicar o indivíduo no todo.

Dessa forma, essa interação mútua entre pessoas e objetos não pode ser vista, de forma alguma, sem a interação social, pois um objeto não pode ser assim entendido se for mantido por uma só pessoa, mas sim na relação entre pessoas.


Para ampliar seus conceitos sobre a contituição do objeto e essa dentro da relação social sugere-se a leitura do capítulo 8 do livro "O que é virtual?" de Pierre Lévy" (LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p. (Coleção TRANS) e que pode ser acessado parcialmente na janela abaixo:


Nessa perspectiva podemos entender que a aprendizagem realmente acontece no despertar de processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer quando o indivíduo interage com sua realidade e as pessoas também imersas nessa (OLIVEIRA, 1992). Daí a importância das relações sócio-culturais, como produto dessas relações, na construção dos conhecimentos no sujeito, pelo sujeito. Essa auto construção nos remete, entretanto, à concepção de Piaget no sentido de entender que "na verdade, o homem produz a si próprio ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o meio e com os outros homens" (WACHOWICZ apud MATUÍ, 1995, p. 62)


Para explicar o processo de aprendizagem por sobre a interação, Vygotsky cunhou os conceitos:


  • Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - que se refere à toda a atividade e/ou conhecimento que o indivíduo ainda não possui, mas que potencialmente seja capaz de saber/fazer.
  • Zona de desenvolvimeto real - se refere a tudo aquilo que o indivíduo é capaz de realizar, com a sustentação de saberes e fazeres outros que embasem esse realizar, mas sem a interferência de outras pessoas.
  • Zona de desenvolvimento proximal - é efetivamente a distância entre o que o sujeito sabe e/ou faz sem a interferência de outras pessoas e aquilo que (o sujeito) é capaz de desenvolver com o auxílio de outros.


Contudo, vemos que a Zona de desenvolvimento proximal se mostra como fundamental para a construção do conhecimento, pois prevê que o ser humano se apresenta como um ser histórico que, através de atividades, intervém no meio ambiente, cria cultura e desenvolve-se. Pois é pelo trabalho coletivo que o homem estabelece relações sociais com outros e cria instrumentos (físicos e psíquicos) que facilitam a transformação do meio em benefício de sua sobrevivência (VYGOTSKY, 1991).

Os recursos tecnológicos, como nas tendências progressistas que mais se adequam à concepção interacionista são as ferramentas tecnológicas de e construção, comunicação e compartilhamento de documentos inerentes à World Wide Web Os documentos podem estar na forma de vídeos, sons,hipertextose figuras. Para visualizar a informação, pode-se usar umprograma de computadorchamadonavegadorpara descarregar informações (chamadas "documentos" ou "páginas") deservidores web(ou "sítios") e mostrá-los na tela do usuário. O usuário pode então seguir ashiperligaçõesna página para outros documentos ou mesmo enviar informações de volta para o servidor para interagir com ele. O ato de seguir hiperligações é, comumente, chamado de "navegar" ou "surfar"como o:
  • Fórum de discussão via Internet (semelhantes às discussões realizadas em comunidades de sites de relacionamentos tipo o Orkut e Facebook, porém com assuntos específicos propostos e mediados por professores)
  • Chat (bate-papo em tempo real utilizando mensagens textuais instantâneas tipo MSN, ICQ, Google talk) via Internet
  • Confecção de textos em grupo utilizando ferramentas de edição via Internet
  • Wiki (ferramenta on-line de construção de uma espécie de mini enciclopédia específica sobre assuntos específicos)
  • Blog em grupo (espaço colaborativo onde cada aluno publica seus textos, fotos, vídeos, áudios, dentre outros, e recebe e responde comentários de seus colegas)
  • Twitter (micro-blog limitado a postagens de 140 caracteres, onde os alunos postam suas idéias e comentários sobre vídeos, áudios, artigos, sites que se relacionam com os assuntos estudados)

Pode-se visualizar que nossa cognição, muito além dos aspectos bio e fisiológico, está direcionada para a construção dos conhecimentos em um contexto complexo e sistêmico e que nos direciona para a interação, pois segundo Maturana e Varlela (1995) a "vida é o contínuo desafio de enfrentar e aprender a cada nova circunstância. Viver é aprender, Enquanto houver interação haverá vida."

Então, pode-se concluir que a aprendizagem é algo que está intimamente ligada à relação entre pessoas. Essa relação nos remete à conceitos muito utilizados, nos meios tecnológicos de comunicação e informação, nos dias de hoje.

Você já deve ter observado que os termos interatividade, interação, colaboração e cooperação têm sido utilizados em vários meios de comunicação na atualidade como sinônimos e para adjetivar muitos recursos tecnológicos, programas de tv e rádio e até a nossa época: tv interativa, rádio interativa, educação interativa, portal interativo, era da interação, sociedade da cooperação, era da colaboração, celular interativo, tecnologia interativa...

Com toda essa presença em nossa realidade, há, contudo, a necessidade de pensarmos criticamente sobre a real utilização desses adjetivos e suas diferenciações frente às tecnologias educacionais? Veja o que o grande pensador da educação e educador brasileiro Paulo Freire diz a respeito da tecnologia na educação:


Como manifestação presente a experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Precisamente por que a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativa-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade com que podemos nos defender "irracionalismos" decorrentes do ou produzidos por certo excesso de "racionalidade" de nosso tempo altamente tecnologizado. E não vai nesta consideração nenhuma arrancada falsamente humanista de negação da tecnologia e da ciência. Pelo contrario é consideração de quem, de um lado, não diviniza a tecnologia, mas, de outro, não há diaboliza. De quem a olha ou mesmo a espreita de forma criticamente curiosa.(FREIRE, 1996)

Então evidencia-se a necessidade de se olhar a espreita e de forma critica e curiosa para a utilização desses termos frente a nossa realidade, principalmente a realidade tecnológico-educacional. Assim, fazermo-nos a seguinte pergunta:
o que é cooperar? Será que é o mesmo que propiciar a interação, a interatividade, a colaboração?

Referências

MATUI, Jiron. Construtivismo: Teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino. São Paulo: Moderna, 1995.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p. (Coleção TRANS)

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: ed. Martins Fontes, 1991.

MATURANA H. e VARELA, F., A árvore do conhecimento, Campinas, SP., Ed. PSY II,
1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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